Os primeiros 100 dias da gestão de Emília Corrêa como prefeita de Aracaju, iniciada em 1º de janeiro de 2025, foram marcados por um ritmo acelerado de mudanças e uma abordagem considerada inovadora. Filiada ao Partido Liberal (PL), Emília é a primeira mulher a comandar a capital sergipana e tem se mostrado determinada a romper com o status quo. Diferente de gestões anteriores, tem priorizado ações práticas e visíveis, com foco em mobilidade urbana, economia e sustentabilidade. No entanto, há um alerta no ar: o foco antecipado nas eleições de 2026 pode comprometer os resultados no presente.
Entre os principais trunfos desses primeiros meses estão a retirada da empresa TORRE, envolvida em investigações de corrupção em gestões passadas, e o decreto que obrigou a substituição de ônibus com mais de 12 anos de uso, resultando na saída das empresas do Grupo Progresso (Auto Viação Paraíso e Transporte Tropical) do sistema de transporte coletivo.
A TORRE, que havia retornado à capital na gestão de Edvaldo Nogueira (PDT), foi substituída, por meio de contrato emergencial, pelas empresas Renova Serviços de Coleta Especializados LTDA e Aksa Serviços de Locação, que passaram a realizar a coleta de lixo em Aracaju. Essa mudança gerou uma economia de R$ 33 milhões, parte dos R$ 38,4 milhões economizados nos primeiros 100 dias de governo.
Outro destaque foi o início da modernização da frota de ônibus da cidade. Emília cumpriu uma promessa de campanha ao trazer 34 novos veículos equipados com ar-condicionado, Wi-Fi, carregadores USB e câmeras de segurança — sendo 24 da Viação Atalaia (5 já em operação) e 10 seminovos da empresa Modelo. A medida mostra compromisso com a melhoria do transporte público, um dos calcanhares de Aquiles das administrações de Aracaju há anos.
Ainda no tema mobilidade e transporte público, a proposta polêmica de contratação de um empréstimo de R$161 milhões para aquisição de 30 ônibus elétricos, carregadores e a construção de uma usina fotovoltaica foi enviada pelo Executivo e já aprovada pela Câmara de Vereadores, reforçanado a visão de Emília de uma cidade mais sustentável e alinhada com agendas progressistas, mas levantou questionamentos sobre sua capacidade de avaliar e distinguir quais são as reais necessidades da população e o que seria apenas “perfumaria”.
Especialistas e vereadores de oposição argumentam que o valor do empréstimo poderia ser melhor aproveitado na aquisição de cerca de 90 ônibus com tecnologia Euro 6 a diesel, que poluem bem menos, com ar-condicionado, e que custam em média três vezes menos que os ônibus elétricos. O que efetivamente seria melhor para o meio-ambiente e para a população da cidade? Além disso, o projeto foi criticado por transferir um investimento público, dinheiro dos impostos dos aracajuanos, de alto custo para benefício de empresas privadas, que já recebem subsídios da prefeitura e, em outros municípios, costumam ser responsáveis pela renovação da frota.
Uma aposta arriscada, considerando que ônibus elétricos são uma tecnologia nova, ainda em implementação em grandes cidades e que necessitam de uma infraestrutura complementar – carregadores, adaptação da capacidade da rede életrica, etc.
Um acerto notável foi a parceria com a empresa JET, responsável por trazer patinetes e bicicletas elétricas à capital. A iniciativa, que não gera custos ao município, expandiu a oferta de transporte sustentável, cobrindo desde a Praia do Viral até o Porto D’Antas. Emília testou uma das bicicletas, destacando o potencial da ação para modernizar a mobilidade e atrair turistas. O secretário de Turismo, Fábio Andrade, celebrou a medida como um diferencial que coloca Aracaju no mapa das cidades inovadoras. De fato, a presença desses equipamentos não só oferece alternativas de lazer, mas também incentiva uma cultura de deslocamento mais ecológica, algo que gestões passadas negligenciaram.
Emilia também tem acertado em outras áreas. Sua experiência como vereadora tem contribuído para uma boa articulação com a Câmara Municipal, o que tem facilitado a aprovação de projetos ambiciosos. A promessa de congelar o IPTU por dois anos também deve agradar a população em meio à instabilidade econômica.
Na área da saúde, uma reestruturação no Hospital Nestor Piva gerou uma economia anual de R$ 5,4 milhões, mostrando sensibilidade fiscal sem comprometer a prestação de serviços.
No entanto, nem tudo são flores. Um ponto de preocupação é o foco precoce nas eleições de 2026. Nos bastidores, já se comenta que Emília planeja lançar seu vice, Ricardo Marques, do Cidadania, como candidato a governador de Sergipe. Essa estratégia, embora politicamente compreensível, pode ser um tiro no pé. Governar uma capital como Aracaju exige dedicação total, e qualquer desvio de atenção para articulações futuras corre o risco de comprometer a entrega de resultados. A população, que a elegeu com 57,46% dos votos no segundo turno de 2024, espera uma gestão presente, não uma prefeitura transformada em trampolim político. Ricardo, um comunicador experiente e figura carismática, pode até ter potencial, mas essa aposta agora parece prematura e arriscada.
Outro ponto de desgaste envolve denúncias de suposta “rachadinha” na Empresa Municipal de Serviços Urbanos (EMSURB). Apesar de ter feito da moralidade uma de suas principais bandeiras de campanha, Emília não se pronunciou publicamente sobre o caso, o que pode trazer desgaste tanto para a gestão como para sua imagem.
Emília também precisa administrar as expectativas dos diferentes grupos que compõem sua base de apoio. Eleitores bolsonaristas cobram um posicionamento da prefeita na defesa da anistia dos presos dos atos de 8 de janeiro, pauta central do Partido Liberal (PL) pelo qual ela foi eleita e é filiada. Além disso, médicos e profissionais da saúde demonstram insatisfação diante da falta de clareza sobre o futuro da gestão da Maternidade Lourdes Nogueira, no bairro 17 de Março, entre outros temas sensíveis para a categoria.
Emília Corrêa tem, sim, surpreendido positivamente nesses 100 dias. Sua gestão diferente, com ênfase em mobilidade, economia e sustentabilidade, mostra que ela não veio para ser apenas mais uma no cargo. A chegada dos ônibus novos e a parceria com a JET são exemplos concretos da sua capacidade. Mas o sucesso de seu mandato dependerá de manter o foco no presente, entregando o que prometeu sem se perder em planos eleitorais futuros e nem perdendo a conexão com seu eleitorado. Aracaju merece uma prefeita plenamente dedicada — e é isso que Emília precisa provar nos próximos anos.
