No calor da pré-campanha eleitoral, o senador Alessandro Vieira (MDB) anunciou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o crime organizado no Brasil, com foco em sua atuação e influência. A iniciativa, que à primeira vista parece louvável, levanta suspeitas sobre sua autenticidade e timing. Eleito em 2018 sob a bandeira do combate à corrupção e ao crime organizado, Vieira permaneceu relativamente silencioso sobre o tema durante grande parte de seu mandato. Agora, a um ano das eleições, a súbita ênfase em pautas de lei e ordem parece alinhada à onda de “bukelização” — a imitação do discurso rígido e populista do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que tem seduzido políticos em busca de capital político.
A guinada de Vieira para um discurso mais duro contra o crime organizado, no entanto, contrasta com suas escolhas políticas recentes. No segundo turno das eleições presidenciais de 2022, o senador apoiou Lula, candidato cujas declarações a favor de políticas contrárias ao encarceramento de criminosos foram bastante questionadas durante o período eleitoral. Além disso, segundo áudios divulgados pela imprensa, o partido mantinha um “diálogo cabuloso” com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Essa contradição expõe uma fragilidade em sua postura: como alguém que se apresenta como paladino da moralidade pode endossar uma candidatura com tais ligações, mesmo que indiretas? A decisão de Vieira parece mais um cálculo político do que uma convicção genuína, especialmente considerando que sua base eleitoral, originalmente ancorada em pautas anticorrupção, esperava coerência.
A CPI proposta por Vieira, embora possa gerar manchetes, é vista por analistas como uma manobra de marketing político com poucas chances de resultados concretos. Comissões desse tipo frequentemente se perdem em debates estéreis ou são usadas como palanque eleitoral, sem avançar em medidas práticas contra o crime organizado. A escolha do tema, alinhada à retórica de Bukele, parece uma tentativa de capturar o eleitorado de direita e até mesmo bolsonaristas descontentes, que valorizam discursos de mão dura. No entanto, a falta de ações consistentes ao longo de seu mandato levanta dúvidas sobre a profundidade de seu compromisso com a causa.
Além disso, a “bukelização” de Vieira ignora as particularidades do contexto brasileiro. O modelo de El Salvador, centrado em medidas extremas como prisões em massa, não é facilmente aplicável ao Brasil, onde o crime organizado opera em redes complexas, muitas vezes com conivência de setores do poder público. A CPI, se mal conduzida, pode acabar sendo apenas um espetáculo midiático, sem atacar as raízes do problema, como a corrupção sistêmica e a falta de políticas públicas em áreas vulneráveis. A iniciativa de Vieira, portanto, parece mais uma resposta ao clamor popular por segurança do que uma estratégia bem fundamentada.
Por fim, o senador Alessandro Vieira terá que enfrentar o escrutínio de sua própria trajetória. Eleitores que o escolheram por sua promessa de renovação política e combate à corrupção esperam mais do que discursos oportunistas e CPIs de última hora. A tentativa de se reposicionar como um defensor da lei e ordem, sem um histórico sólido de ações nesse sentido, pode soar como uma jogada eleitoreira barata. Resta saber se o eleitorado, cada vez mais atento a incoerências, comprará essa nova versão de Vieira ou se cobrará dele a consistência que ele mesmo prometeu ao assumir o mandato.